Especial Dia da Mulher – Maria “Tica”, apaixonada pela velocidade

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Nós conhecemos a Maria através do post que fizemos em janeiro, para o Dia da Saudade. Nós perguntamos aos nossos seguidores do que eles tinham saudade, e dentre os vários comentários, um nos chamou a atenção. Ela comentou: “Tenho saudades dos tempos que eu corria em Interlagos com meu fuscão”.

Ficamos muito interessados na história dessa corredora que dirigia Fuscas a 180 km/h na pista de interlagos. Quem era ela? Como começou a correr? Como era ser uma pilota nos anos 70?

São várias perguntas que surgem. Por isso resolvemos fazer essa entrevista com a Maria do Carmo Moreira Lima. “Meu apelido nas pistas era ‘Tica’, de mulher pequena…”, diz.

image.pngA Tica nos conta que sempre gostou de corridas. “Eu cresci ao lado do meu irmão Eduardo que cuidava de mim, desde que eu não contasse nada para o papai. Íamos a pé até Interlagos só pra ver a baratinhas voadoras do Camilo Cristófaro e Eduardo Celidonio. Passávamos frio, fome e na volta apanhávamos, mas felizes. Depois mais tarde, íamos junto com meu primo mais velho dar umas voltas, uns ‘pegas’ na praça do relógio na USP, aos sábados à tarde. Quando comprei meu primeiro carro, um fuscão 1500, me juntava a um grupo de meninos tirando racha em alguns trechos da marginal em construção, até a polícia chegar (risos)”.

image.pngSua paixão por velocidade é tão grande, que hoje, com 70 anos, pratica corrida de rua, já correu até São Silvestre, mas a maior aventura que a corrida lhe proporcionou veio no tempo que em corria com seu fusca, “conhecer meu marido num racha, foi sem dúvida a válvula propulsora dessa aventura que vivi…” conta.

Seu marido foi o piloto Castagnari, que era Chefe da equipe Marcas Famosas para a Fórmula V e Super V, e foi através dele que ela botou os pés em Interlagos. “Estávamos num racha na marginal e eu rodei por causa da chuva. Ele me socorreu e disse pra eu ir correr nas pistas. Ele me ensinou o caminho através da ‘escolinha’ dos professores Pedro Vitor Delamare e Arthur Bragantini, que ele já frequentava”. A Tica conta que essa escola lhe deu habilidades que jamais esqueceu.

Assim ela foi convidada para fazer parte da equipe VW, correndo com um fusca original. “Na nossa categoria, eram carros originais de fábrica e não podia alterar nada, mas a gente andava beirando 150 km/h e no ‘retão’ chegava aos 180 km/h. Achava o máximo, dava frio na barriga aquela sensação. Era emocionante!”. Suas corridas aconteciam nos intervalos das baterias das Fórmulas V e Super V, “a atração eram as meninas e a ‘prova do batom’. Éramos em cinco (mulheres de pilotos e a Leila, filha do Toninho da FPA). Eu ganhei uma das provas. Até hoje tenho a metade de um troféu quebrado. Naquele tempo a ‘alta velocidade’ era para as fórmulas, com motores mais preparados para isso”.

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Maria reconhece que não era fácil ser uma mulher à frente da sua época que amava a velocidade, e que ainda por cima arriscava viver essa paixão de vez em quando. “Minha vida sempre foi um grande desafio, gostava das coisas que não eram adequadas para uma menina. Ralei muito joelho nos carrinhos de rolimã que meu pai fazia… Sofri muito preconceito pois escolhi estudar Administração, que naquela época era um curso essencialmente masculino. Haviam duas meninas numa sala de quarenta meninos e mesmo depois nunca consegui exercer o cargo. Como secretária/executiva, fiz tudo que uma administradora competente poderia fazer numa empresa e trabalhei mais de cinquenta anos em 4 ou 5 grandes empresas sempre como secretária de diretorias e presidência, com muito sucesso”.

Tica dividia sua vida entre trabalhar de roupa social e salto durante a semana, e nos finais de semana ia para as pistas de calça ‘Lee’. “Só não podia dar bandeira. Eu não podia espalhar pra ninguém o que eu fazia. Pra você ter uma ideia, tem amiga que só ficou sabendo que eu corria em 2017, quando corri como veterana na Copa Fusca e meu filho publicou ao vivo pelo Facebook”.

O fim das corridas com o fuscão veio com o nascimento da filha. “Tatiana nasceu em maio de 1975 e foi criada praticamente nos boxes. Estava tão acostumada a dormir ao som dos motores, que a noite em casa tinha que ligar a enceradeira em volta do berço para ela dormir. Eu parei de correr em setembro daquele ano, após a Prova Independência. No meio da corrida numa olhada da curva do sol para o paddock, vi minha filha com quatro meses, caindo do colo do padrinho que a segurava, dava pra ver seus pezinhos fora do cobertor. Fiquei chocada com isso e parei de correr na hora, entrei no box e fui correndo no paddock buscar minha bebê e fui embora do autódromo. Nesse dia me senti uma mãe desnaturada”.

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No ano seguinte marido Castagnari também parou de correr, devido à crise da gasolina. “Tudo ficou muito caro, mas nossos amigos que tinham condições financeiras e bom patrocínios continuaram: Nelson Piquet, Ricardo Mansur, Ingo Hoffmann, Chiquinho Lameirão, Jan Balder, Wilsinho Fittipaldi e tantos outros que ficaram na nossa história e no em nossas lembranças do coração…de pistas, boxes e festas de premiação…bons tempos!

A volta às pistas veio só em 2017, com um convite para correr como veterana para a Copa Fusca. “Foi sensacional. Foi uma surpresa, nunca poderia imaginar. Meu filho Walter me levou ao autódromo para ver uma exposição de antigomobilismo, e daí quando chegamos ao box da equipe Wessler Racing, eles estavam me esperando pra escolher qual máquina eu queria pilotar. Morri, mas escolhi o vermelho 66. Eles ajustaram o banco e lá fui com outros veteranos dar um passeio (5 voltas). Chorei o percurso inteiro, embaçou o visor do capacete, o coração acelerou e as pernas tremiam a cada curva relembrando o passado! Não consegui passar de 120km/h”, conclui, cheia de saudades.

 

1 COMENTÁRIO

  1. Ah…obrigada Felipe, “fusqueirosrallysom”, pela homenagem maravilhosa neste dia… que foi dos anos 70 aos 70 anos! Show!

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